Na segunda parte do texto Endometriose Intestinal: retossigmoide (leia a primeira parte aqui), o doutor Alysson Zanatta explica como este tipo de endometriose pode ser descoberta – quais exames detectam a doença – e como tratá-la. É preciso usar a bolsa de colostomia e ou a de ileostomia? Quais os riscos de complicações desta cirurgia? Os medicamentos funcionam? Qual o tratamento efetivo para a endometriose intestinal de retossigmoide? A cirurgia é parecida com a do câncer de intestino? Um texto brilhante que vai elucidar de maneira muito objetiva suas dúvidas sobre a endometriose intestinal de retossigmoide. Beijo carinhoso! Caroline Salazar
Endometriose intestinal: retossigmoide – parte 2
Por doutor Alysson Zanatta
Edição: Caroline Salazar
Como descobrir a Endometriose no Retossigmoide?
A ER pode ser diagnosticada com quase 100% de acerto pela realização de uma ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal e/ou uma ressonância magnética pélvica, desde que realizados por especialistas (6). São os únicos, e mais completos exames, para diagnóstico dessa endometriose. A colonoscopia não serve ao diagnóstico e não deveria ser solicitada, a não ser que haja sangramento intestinal (ou outros sintomas) que levante suspeitas sobre outras doenças. Como dito, apenas 5% das lesões de endometriose do retossigmoide atingem a mucosa intestinal, e, portanto, seriam diagnosticadas à colonoscopia. Assim, um resultado de colonoscopia normal não exclui o diagnóstico de ER. Essa é a segunda mensagem que destaco: a não necessidade de colonoscopia para diagnóstico de ER.
Como tratar a Endometriose no Retossigmoide?
Primeiro, é importante destacar quando devemos tratar a ER. A indicação é baseada em dor e/ou infertilidade. Ou seja, mulheres que tenham ER, mas que não tenham dor ou infertilidade, podem ser acompanhadas sem nenhum tratamento específico.
A ER pode ser fator de infertilidade, mesmo quando avaliada separadamente dos outros tipos de endometriose. Uma pesquisa revelou que mulheres submetidas à ressecção de endometriose parcial e que não tiveram a ER removida, tiveram menores chances de engravidar quando comparadas àquelas com remoção totalda doença incluindo a ER (7). Isso significa que, uma vez que se decida pela cirurgia, o maior benefício é com a remoção completa da doença, incluindo a ER.
Todas as medicações hormonais têm a capacidade de controlar, em maior ou menor grau, as dores causadas pela endometriose. Não há efeitos diretos sobre a lesão de ER em si (assim como para qualquer tipo de lesão de endometriose profunda). Isso quer dizer que as medicações não alteram o curso da ER, seja reduzindo-a ou fazendo com que deixe de aumentar. Isso ocorre porque essas lesões de endometriose são formadas basicamente por músculo liso e fibrose, tecidos pouco responsivos à manipulação hormonal. Usando medicações eu posso controlar as dores, mas eu não faço a lesão desaparecer ou diminuir.
A terceira e mais importante mensagem é que o tratamento mais efetivo (e curativo) para a ER é a remoção cirúrgica. A cirurgia deve ser realizada preferencialmente por laparoscopia, que tem resultados superiores. Como conseguimos um diagnóstico preciso da doença antes da cirurgia, podemos planejá-la e discutir exaustivamente seus riscos e benefícios antes da decisão final. E como dito anteriormente, surgem dúvidas e preocupações quando falamos de ressecção intestinal.
A primeira clara distinção que devemos ter em mente é que a cirurgia para ER é diferente daquela para o câncer de intestino. Primeiro, a ressecção é menor, pois não há necessidade de remoção do mesossigmoide, o tecido gorduroso por onde corre a irrigação e inervação do retossigmoide. Segundo, o local da anastomose (a “emenda” após a ressecção) é mais longe do ânus em relação ao câncer, o que reduz riscos de complicações. Terceiro, a colostomia (ou ileostomia) não necessita ser usada (salvo raríssimas exceções), pois a cicatrização costuma ser eficiente quando a cirurgia é tecnicamente bem executada.
Há ainda a opção do uso de técnicas mais conservadoras, como a ressecção discoide, onde apenas a parte anterior com a ER é ressecada (8). Essa técnica pode ser usada em praticamente metade dos casos, e proporciona redução do tempo cirúrgico.
A complicação mais temida da ressecção intestinal é o extravasamento de fezes pelos pontos, causando peritonite (infecção) e necessidade de reoperação, ou extravasamento pela vagina, causando a fístula reto-vaginal. Nessa situação de complicação e peritonite será necessária a colostomia, e apenas nessa situação. Trata-se sim de complicação grave e com potencial risco à vida, porém muito incomum com equipes experientes.
Como citado pelo Dr. David Redwine, devemos entender que o tipo de complicação é inerente ao tipo de cirurgia. Uma cirurgia de catarata tem a rara complicação de cegueira, pois estamos manipulando diretamente os olhos. Da mesma forma, uma ressecção intestinal tem a rara complicação de peritonite, pois estamos manipulando o intestino. Estima-se em 1% esse risco com equipes experientes.
Ainda que potencialmente graves, as complicações da ressecção de ER são infrequentes, e não devem ser um contraindicação à realização da cirurgia. Devem sim ser ponderadas ao máximo, sempre dentro do contexto clínico da paciente. Um risco de 1% ou menos pode ser inaceitável para uma paciente que não tem qualquer sintoma. Por outro lado, esse risco é perfeitamente viável em paciente que tem sua qualidade de vida prejudicada, considerando o enorme potencial curativo da cirurgia intestinal.
Conclusões:
A ER é uma forma relativamente comum de endometriose, que pode causar dor e infertilidade, ou não causar nada. Precisamos apenas de uma ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal e/ou ressonância magnética pélvica para o seu correto diagnóstico, desde que realizado por especialista. A colonoscopia é desnecessária na maior parte das vezes.
As medicações hormonais podem controlar em maior ou menor grau a dor causada pela ER, mas não têm efeito direto sobre as lesões. O tratamento mais efetivo e curativo da ER é a remoção cirúrgica, preferencialmente por laparoscopia. A colostomia não é necessária, salvo em raras situações de complicação como a peritonite. Quando bem indicada e bem realizada, a cirurgia para ER tem alto potencial de melhora da qualidade de vida e do potencial reprodutivo da mulher.
Me despeço reforçando o convite para que participem da EndoMarcha – Marcha Mundial Contra a Endometriose – a ser realizada neste sábado, dia 19 de março, em nove cidades no Brasil e dezenas de outras cidades ao redor do mundo. Divulguem e participem. Seu apoio é fundamental para mudarmos a história da doença!